quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

KOSOVO, O NOVO PAÍS


A independência de Kosovo se baseia mais na força de quem a apóia do que nos códigos




Há casos em que a política tem o "direito" de atuar contra o direito? Kosovo é um deles? Direito e sanção são irmãos siameses. Os jurisconsultos da antiga Roma já tinham o conceito muito claro, não duvidavam de que um direito, sem força suficiente para aplicá-lo e protegê-lo, não pode ir muito longe.


Naturalmente, o conceito continua vigente e aparece com freqüência em sua crua dureza no tabuleiro internacional, onde a aplicação do direito está totalmente condicionada a que seja defendido por algumas potências. A legalidade só pode se afirmar onde sua irmã sanção -a força incontestável- esteja disposta a acompanhá-la. Assim, os Estados nascem ou não dependendo de se obter uma massa crítica de poder a favor ou não. O direito internacional pode acompanhar. Ou não.


A recente declaração de independência de Kosovo, e seu rápido reconhecimento por parte dos EUA e das principais potências européias, põe outra vez sobre a mesa, segundo muitos juristas e analistas, o cadáver da legalidade internacional atropelada pela vontade dos países com músculo e que não temem as sanções -porque eles mesmos são os únicos em grau de ameaçar com uma sanção. Mas o caso de Kosovo é verdadeiramente uma violação? E, se assim fosse, é ruim em si que a política atue contra o direito? Ou há casos nos quais, diante da impotência do ordenamento, é moralmente legítimo violar o direito?


Kosovo é, em muitos aspectos, um caso de livro. "Na minha opinião, trata-se do péssimo epílogo de um assunto -como o balcânico- pessimamente administrado pelas potências ocidentais", responde Giovanni Sartori, cientista político e professor emérito da Universidade Columbia em Nova York. "Podemos começar dizendo que a base legal da independência é no mínimo frágil. Mas não me preocupa tanto que a política atropele o direito: sempre foi assim. A força do direito nas relações internacionais é próxima de nula. Também não me preocupa a falta de coerência dos mandatários: o que me preocupa é a falta de inteligência", diz Sartori, prêmio Príncipe de Astúrias.


Enquanto ele falava de Roma, em Belgrado ardia a embaixada americana e se congelava a relação com Bruxelas. Na véspera, Felipe González havia assumido publicamente uma posição parecida: o caso Kosovo é uma "semente terrível e ilegal". O sentido é claro: "cada minoria que seja maioria em um pequeno pedaço do território vai querer ser independente da maioria".


Anthony Clark Arend, diretor do Instituto de Direito Internacional da Universidade de Georgetown, em Washington, também considera que a independência de Kosovo não está amparada pelo direito. "Não creio que no caso kosovar se possa justificar a secessão com base no direito de autodeterminação dos povos", conclui, depois de uma elaborada argumentação jurídica. "Inclusive aceitando a idéia de que são um povo, em seu caso creio que a autodeterminação legítima é interna, só pode se traduzir em uma justa representação e certo grau de autonomia dentro do Estado sérvio", que atualmente é democrático e não-violento. "Mais além dos princípios", prossegue Arend, "a resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU é muito clara quando diz que a solução política para a crise de Kosovo deve ser buscada respeitando os princípios de soberania e integridade territorial. Então, sinceramente, me parece que neste caso os argumentos jurídicos estão em segundo plano." Mais uma vez.


Mas isso é ruim em si? Ou os argumentos não-jurídicos, por exemplo morais, podem autorizar a política a ir além ou até contra o direito? "Política e direito estão muitas vezes em antítese no cenário internacional", reflete Ignacio Molina, principal pesquisador de Europa no Real Instituto Elcano de estudos estratégicos. "Mas eu rejeito a equação política = mal / direito = bem. É plana demais, é preciso matizá-la. O direito internacional é, por natureza, um sistema limitado, imperfeito. A política pode e deve chegar aonde esse direito não chega." "A supremacia da política pode causar atropelos", prossegue, "porque não tem como fundamento necessário a justiça, mas também pode consertar situações, como ocorreu em 1999, quando a Otan interveio em ajuda dos kosovares golpeados sem o amparo de uma resolução do Conselho de Segurança. Estou de acordo que em Kosovo se agiu contra o direito, mas em vez de levantar só um grito ao céu creio que é preciso analisar a substância do ato além de sua legalidade." Sartori recorre ao mais cru realismo: "No fundo, o que mais importa é a inteligência do ato". Em todo caso, o direito, mesmo que atropelado, nunca morre de tudo. No caso de Kosovo pode ressuscitar em forma de precedente. "Por mais que se saliente que é um caso único, não deixa de ser um caso", aponta Arend.


Muitos Estados nasceram nos últimos 20 anos. A dissolução da URSS em 1991 deu vida a cerca de 15 novos países. Mas o desmembramento foi praticamente consensual, e além disso a Constituição da União Soviética previa a possibilidade de separação das repúblicas federadas. A divisão da Checoslováquia também foi consensual. A iugoslava não foi, mas os territórios que foram se separando eram repúblicas federadas. Kosovo, em troca, era -é?- uma província da Sérvia. Isso faz dele um precedente explosivo -ou semente terrível.


"É indiscutível que, juridicamente, Kosovo era uma província. Mas por que o era? Porque os kosovares eram cidadãos de segunda na Iugoslávia", raciocina Molina, do Instituto Elcano. "Por coesão étnica, religiosa, cultural e territorial, tinham provavelmente tanto direito ou mais que as outras de ser uma república. Mas, por uma afronta política, não lhes outorgaram o estatuto e inclusive Milosevic retirou a autonomia limitada que Kosovo tinha nos anos 1980. Por isso hoje são juridicamente um caso diferente dos demais. Eu não desprezo o valor do direito da antiga Iugoslávia ou da antiga URSS, mas também não posso magnificá-lo.


"Mais uma vez a dicotomia política-direito. A distância hierárquica estabelecida na ex-URSS entre repúblicas e províncias também desembocou em um abismo cheio de conflitos e mortes. Enquanto as repúblicas se separaram sem violência, províncias e outras entidades territoriais ficaram como estavam, às vezes nadando em sangue. Ali estão as tensões da Chechênia, Abcázia, Ossétia do Sul, Nagorno-Karabak, Transdniester. Mas não só é discutível o direito dos Estados totalitários. Alguns juristas observam que o direito internacional tampouco é uma ferramenta perfeitamente eficaz e imparcial em questões de independência, porque é basicamente um direito de Estados soberanos, aplicado fundamentalmente em uma assembléia de Estados soberanos. Não é estranho que seus princípios sejam restritivos em matéria de secessões. Isso não impede que possam saltar indignados quando convém, observam os cínicos. "É interessante notar como tanto no caso de Kosovo como no do Iraque as potências políticas tentaram revestir de uma aura de legalidade as evidentes violações cometidas", comenta Antonio Remiro, catedrático de direito internacional na Universidade Autônoma de Madri. "As declarações da UE na última segunda-feira são juridicamente grotescas, com suas referências ao respeito de princípios na realidade violados ativa e passivamente. Mas nota-se a vontade de se proteger." A política nua talvez seja uma visão forte demais para os estômagos da opinião pública.


"A violação não sai totalmente grátis, não só em termos midiáticos como também jurídicos", prossegue Remiro. "Não o vão fazer, mas 'sic stantibus rebus' (do jeito que estão as coisas), uma ação militar sérvia em Kosovo não seria uma agressão ilegítima. Como não o é a ação russa na Chechênia. Ali o que ocorre é que houve tremendos crimes de guerra, mas a ação militar em si não é ilegítima.


"O duplo critério da política naturalmente gera raiva, tensões. "É difícil aceitar que Kosovo possa e, por exemplo, o Saara Ocidental não, quando este tem uma base legal praticamente impecável para ser independente, muito mais sólida que a de Kosovo", reflete Molina. Difícil de aceitar, mas é assim: os Estados nascem, ou não, dependendo de quem o quer. O direito, se puder, que acompanhe.


Assim nasceu a Namíbia em 1990, separando-se da África do Sul. A Eritréia conseguiu seu reconhecimento em 1993. Antes, em 1971, Bangladesh proclamou sua independência do Paquistão, e também acabou sendo reconhecido. Israel surgiu, sobre a base moral do Holocausto sofrido, depois da Segunda Guerra Mundial em uma terra em que seu povo não residia havia quase 20 séculos. Em troca, Taiwan fica em seu limbo: a China é um contrapeso enorme. Outros atestam esse limbo de territórios independentes de fato: a república da Somalilândia, a república turca de Chipre Norte, só reconhecida pela Turquia.


Mas Kosovo ameaça "abrir a caixa de Pandora", como salientou o presidente russo, Vladimir Putin. Por exemplo, segundo um argumento que se repete muito nestes dias, se a minoria kosovar pode se separar da Sérvia, por que não pode também a minoria sérvia de Kosovo? Em quantos recantos do mundo existem as mesmas condições? Ninguém deixa de notar a relevância que o caso tem nos assuntos internos espanhóis.


"A partida em Kosovo acabou política 1, direito 0. O problema é que tem todo o jeito de ser uma partida que se sabe como começou, mas não como acabará. Poderíamos nos encontrar em breve com política 3, direito 0. Ou mais", argumenta Romualdo Bermejo, professor de direito internacional na Universidade de León e autor de um estudo sobre o caso Kosovo. Sim, os kosovares sofreram violências e humilhações, o que os diferencia de muitos outros casos. Mas quantos povos sofreram violências no passado? Como exercer a interpretação?


Bermejo considera, por outro lado, que no estado atual das coisas a missão militar da Otan em Kosovo, a Kfor, é uma força de ocupação. A Aliança e seus Estados membros não o vêem assim, porém, ao considerar a resolução 1244 da ONU plenamente vigente. Incluindo a Espanha. Aqui também, qual é a interpretação aplicável? Naturalmente, a dos que tiverem a força para aplicá-la. Talvez, como diz Sartori, o único que cabe esperar é que pelo menos seja inteligente, a interpretação.





Um sonho que custou muito sangue









O Kosovo independente começou a nascer com sofrimento em 1999, entre a brutal repressão das tropas de Milosevic e as bombas da Otan Não cabia um alfinete no bulevar da Madre Teresa em Pristina. Havia mais bandeiras que pessoas, pois eram muitas as que levavam duas, três ou quatro: na cabeça, no ombro ou ao vento. Um mar de tecidos vermelhos com a águia bicéfala negra no centro -o símbolo nacional de todos os albaneses desde o século 15- dominava a paisagem em uma cidade gélida, submetida a temperaturas de 11 graus abaixo de zero. Grupos de jovens com seus piercings abriam caminho portando uma enorme, com listras e estrelas, aos gritos de "USA!". Outras bandeiras americanas haviam incorporado retratos de Marilyn Monroe e Bill Clinton. Havia poucas da UE, que vai pagar pela independência e o sustento do novo Estado do tamanho de Astúrias, mas sim cartazes com "Obrigado Europa", "Obrigado França" ou "Viva Itália". O Kosovo que se tornou independente no domingo começou a nascer com sofrimento em 1999, entre a brutal repressão das tropas de Slobodan Milosevic, que expulsaram de fuzil na mão a metade da população albanesa -quase um milhão de pessoas-, e as bombas da Otan, que veio em seu socorro. Terminada aquela guerra, a última de quatro balcânicas, a Sérvia se retirou de Kosovo com suas tropas e seus símbolos, deixando para trás um rastro de fossas comuns e destruição. O território que considera o berço de seu Estado medieval ficou nas mãos da ONU. Na realidade, tudo começou muito antes, em 1989, quando Milosevic trocou o comunismo pelo nacionalismo oportunista e anulou a autonomia. O que se viveu em Kosovo é o final de uma ocupação e o começo de um caminho incerto e perigoso. Entregue à Sérvia em 1913, foi tratado por todas as autoridades que se sucederam em Belgrado como uma colônia, o lugar de onde se extraíam os minerais e para o qual se enviavam os funcionários medíocres. A Sérvia nunca teve um plano para governar Kosovo -além da limpeza étnica-, bastava-lhe agitar e governar seus mitos da batalha do Campo dos Melros. No abarrotado e gelado bulevar Madre Teresa, onde se realizaram as manifestações contra Milosevic, ainda estão vivas as recordações e as lágrimas brotam facilmente, como as de Nermin, 47 anos, que permaneceu em Pristina durante a guerra. "Todos os dias tinha medo de sair à rua e todas as noites tinha medo de que a polícia sérvia derrubasse a porta de casa. É um dia muito feliz." Levava pela mão sua filha de 11 anos, para que possa lembrar um momento que mudará sua vida. Enquanto os deputados e o governo seguiam ao pé da letra o roteiro institucional preparado por eles mesmos com a ajuda da comunidade internacional, as pessoas se agitavam em torno de um palco vazio povoado por meia dúzia de microfones. Não haviam sido instalados telões para acompanhar o desenvolvimento do histórico debate parlamentar. "Foi proibido pela Unmik (missão da ONU em Kosovo, que agora deixa seu lugar para a UE)," exclamou irritada uma jovem. São as últimas oportunidades para culpar a ONU. Os bares se encheram de curiosos que queriam saber se a independência chegava na hora. Quando o presidente do Parlamento leu a proclamação para submetê-la a votação, milhares de pessoas levantaram suas mãos. Era o voto maciço e emocionado de uma nação, a mais jovem das 193 que existem no mundo. Os rostos das pessoas ficaram iluminados. Riam nervosamente, choravam e abraçavam os desconhecidos como se fossem parentes. Emoções, muitas; palavras, poucas. O grande escritor albanês Ismail Kadaré explica bem isso: "Às vezes a língua não está preparada para descrever momentos tão extraordinários".




A ponte que divide dois mundos









O rio Ibar mantém separados os sérvios dos albaneses-kosovares em Mitrovica Mitrovica tem a cor das cidades melancólicas: ruas cinzentas, lojas cinzentas, roupas cinzentas feitas do outro lado do muro de Berlim e pessoas cinzentas de olhar cansado. Parece uma pequena Sérvia tristonha debruçada sobre o Ibar, um rio-fronteira entre dois mundos -um sérvio, ao norte, onde se paga em dinares, se ganha o salário de Belgrado e se vota no líder do Partido Radical, Tomislav Nikolic, e outro albanês, no sul, cheio de cor e alegria, que já começou a comemorar a independência Ninguém sabe o que vai acontecer, mas a maioria prevê problemas, tensões e talvez confrontos dentro de dias ou semanas. A ponte que une as duas Mitrovicas é na realidade um muro, outra linha verde pintada com o medo do outro. E no norte há muito medo do sul. "Não importa o que façam esses merdas de albaneses", espeta uma mulher que dirige uma loja na avenida principal. É a reação de desprezo que se repete, embora com diferentes matizes de educação. No norte estão convencidos de que depois da independência os albaneses atravessarão a ponte e tentarão expulsá-los de fuzil na mão. "Se isso acontecesse haveria um banho de sangue", adverte Ivana, uma mulher que atravessa para o sul todos os dias por motivos de trabalho e que deveria conhecer em primeira mão a realidade dos dois mundos. Mas nesse norte a propaganda de Belgrado é uma nuvem de poluição que nunca se afasta. "A convivência é impossível. Jamais haverá convivência depois do que nos fizeram", acrescenta. A força da Otan em Kosovo (Kfor), com mais de 16 mil soldados, é mais visível que nunca. Patrulhas francesas, italianas e americanas se movem pelos três municípios ao norte do rio Ibar, onde vivem cerca de 40 mil sérvios. Agora, com o apoio do Kosovo que se despede, a nova batalha é conseguir a divisão desses municípios e de Mitrovica norte para uni-los à Sérvia. A ponte, transformada no último reduto, em um Álamo, em um projeto de uma nova derrota porque ninguém, nem o novo Estado nem seus patrocinadores internacionais, vai consentir. "Todos aprenderam as lições dos incidentes de 2004 (começaram perto da ponte, quando três albaneses morreram afogados ao cruzar o rio). Creio que todos estamos interessados em evitar as provocações. De nossa parte, tomamos as medidas para evitá-las", afirma Bajram Rexhepi, prefeito de Mitrovica sul, ex-primeiro-ministro depois da guerra e um dos dirigentes da guerrilha mais respeitados.No sul de Mitrovica não há dramaticidade nem medo, nem ódio aparentemente. Só milhares de bandeiras albanesas e milhares de pessoas comemorando por antecipação o novo país. Arber passeia junto com seus amigos a cerca de 500 m da ponte. "Quando perceberem, vão começar a nos ver de outra forma", diz.As ruas de Mitrovica norte parecem mais vazias que de costume. Ivana afirma que muitos foram passar alguns dias em Belgrado. Em vez de civis, vêem-se outros que apesar de suas roupas de disfarce não podem ocultar sua condição de membros da MUP, a antiga polícia política de Slobodan Milosevic. Segundo Ivana, sua missão é controlar os radicais que possa haver entre os sérvios. Outros afirmam que eles são os elementos radicais à espera das ordens do governo sérvio presidido por Vojislav Kostunica, na teoria um nacionalista moderado. A Igreja Ortodoxa não desempenha um papel pacificador, mas sim o de piromaníaco na primeira linha de combate. "Esperamos algo horrível", disse no sábado o bispo Artemije para seus assustados fiéis em Mitrovica norte. "Nossa mensagem é para que vocês fiquem em casa e perto dos mosteiros, apesar do que Deus está permitindo que nossos inimigos façam."






As principais potências européias e os Estados Unidos anunciaram na segunda-feira o reconhecimento à independência de Kosovo, enquanto os sérvios reagiram com indignação e alguns governos alertaram que a secessão pode criar um precedente perigoso.
presidente da Sérvia, Boris Tadic, disse ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) que essa instância deveria impedir a independência kosovar, ou do contrário estaria dizendo ao mundo que nenhum país tem garantias sobre sua soberania e suas fronteiras.O primeiro-ministro sérvio, Vojislav Kostunica, ordenou a retirada imediata do embaixador do país de Washington e disse que ocorrerá o mesmo nas outras capitais que reconhecerem o novo país."Os Estados Unidos reconheceram hoje formalmente Kosovo como um Estado soberano e independente. Congratulamos o povo de Kosovo nesta ocasião histórica", disse a secretária norte-americana de Estado, Condoleezza Rice, numa declaração há muito tempo sonhada pelos 2 milhões de albaneses de Kosovo."À luz dos conflitos na década de 1990, a independência é a única opção viável para promover a estabilidade na região", completou ela.Rice se referia à brutal repressão promovida pelo regime de Slobodan Milosevic à população albanesa da província, que terminou com o bombardeio da Otan contra a Sérvia, em 1999. Desde então, Kosovo estava sob administração internacional.O reconhecimento foi um alívio para os líderes de Kosovo, que aguardavam com ansiedade a bênção ocidental à sua secessão, mas marcou um dia triste para a Sérvia, que havia prometido nunca ceder esse território histórico, considerado por muitos o berço da pátria sérvia.Em Belgrado, houve uma passeata pacífica contra a independência kosovar. A tropa de choque da polícia estava em alerta desde os ataques da noite de domingo contra embaixadas ocidentais."Este país está ficando cada vez menor", lamentou a estudante Jelena.Algumas lojas de albaneses tiveram vitrines destruídas, mas não houve tumultos generalizados. "Estamos fazendo a passeata para mostrar que somos contra isso.""Apelo aos cidadãos que parem todos os protestos que levaram à violência e ao tumulto, porque essa não é a forma de ajudar a Sérvia ou a defesa de Kosovo", disse Kostunica, convocando uma grande manifestação para quinta-feira.
DISCORDÂNCIAS
Em todo o mundo, países com minorias turbulentas reagiram com dubiedade ou franca oposição à declaração unilateral de independência por parte de Kosovo. Foi o caso de Espanha, Azerbaijão, Geórgia, Sri Lanka e China, entre outros."Se os senhores fizerem vista grossa a este ato ilegal, quem lhes garante que partes dos seus países não vão declarar independência da mesma forma ilegal", disse Tadic aos 15 países do Conselho de Segurança."Quem pode garantir que a vista grossa não será feita para a violação da Carta das Nações Unidas, que garante a soberania e a integridade de cada Estado, quando chegar a vez do seu país?"A Rússia, aliada da Sérvia com poder de veto no Conselho, também defende que a ONU impeça a independência de Kosovo. O Ocidente insiste que Kosovo é uma "questão européia", na qual a Rússia não deve interferir.A Turquia já reconheceu Kosovo, território que dominou por 500 anos, na época otomana. O mesmo fez a vizinha Albânia, que se preocupou, porém, em não ser a primeira, evitando assim acusações de que estaria cobiçando Kosovo.Os albaneses de Kosovo saíram às ruas de Prístina, a capital, agitando e beijando bandeiras da França, da Alemanha, da Grã-Bretanha, da Itália e dos EUA. O representante britânico na cidade anunciou que sua legação ganhará imediatamente o status de embaixada.A Espanha, que enfrenta minorias separatistas, liderou o pequeno grupo de países da UE que não reconheceu a independência kosovar, alegando que "não há base jurídica internacional".Já a Itália, sensível à reação sérvia, afirmou que Roma "reconhece Kosovo como um Estado independente sob supervisão internacional" -- um lembrete de que o novo país continuará sob controle externo, como nos últimos nove anos."Cerca de 17 Estados [da UE] decidiram reagir rapidamente para evitar a criação de um vácuo com um comportamento indeciso", disse o ministro alemão de Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier.O Brasil informou em nota que é a favor da "continuidade de negociações sob os auspícios das Nações Unidas e considera que uma solução deve dar-se no âmbito multilateral".Bélgica, Luxemburgo, Eslovênia, Suécia, Irlanda, Dinamarca, Finlândia, Bulgária, Polônia, Estônia, Letônia, Lituânia, Áustria e Hungria reconheceram a independência de Kosovo.República Tcheca, Holanda, Portugal, Grécia e Eslováquia ainda estão se decidindo. O Parlamento romeno já se manifestou contra, num sinal de preocupação com a possibilidade de que o exemplo de Kosovo alimente o separatismo em outras regiões dos Bálcãs.A Organização da Conferência Islâmica, que reúne 57 países, cumprimentou Kosovo pela independência.O chanceler francês, Bernard Kouchner, disse que a independência marca "o fim dos problemas nos Bálcãs."

O Kosovo independente "se dedicará à paz e à estabilidade", segundo o projeto de declaração de independência que devia ser submetido neste domingo ao Parlamento do Kosovo e do qual a AFP obteve uma cópia.A nação do Kosovo "será criada na base do plano Ahtisaari", afirma o documento em 12 pontos.Este plano, elaborado pelo emissário especial da ONU para o Kosovo, o finlandês Martti Ahtisaari, preconiza para esta província do sul da Sérvia uma independência "sob supervisão internacional" garantida por uma missão da União Européia (UE).Aprovado pelos ocidentais, o plano foi bloqueado no Conselho de Segurança da ONU pela Rússia, oposta à independência do Kosovo."O Kosovo é uma sociedade democrática, laica e multiétnica" que aceitará "a presença internacional civil e militar", prossegue a declaração. A presença civil é a da UE, que deve substituir a ONU, e a presença militar é a da KFOR, a força comandada pela Otan no Kosovo, mobilizada na província desde 1999 e que vai permanecer no território depois da proclamação de independência."Após a independência, o Kosovo assumirá as responsabilidades internacionais, garantirá a segurança das fronteiras com os países vizinhos e não recorrerá à força para resolver as divergências", segundo o texto."O Kosovo se dedicará à paz e a estabilidade na região, e declara seu desejo de manter boas relações com seus vizinhos", prossegue o documento.O Kosovo independente "garante a proteção do legado cultural e religioso", continua a declaração, em referência às dezenas de locais religiosos da Igreja ortodoxa sérvia que se encontram neste território.

A decisão unilateral de Kosovo de decretar sua independência da Sérvia, anunciada neste domingo (17), tem causado temor na União Européia de que a atitude do país estimule outros movimentos separatistas. "Existem temores de países que acreditam que essa decisão pode ser vista como precedente e levar à radicalização de grupos nos seus países que querem a independência de uma região específica".
O país que mais tem mais tem se colocado contrário à independência de Kosovo é a Espanha, "devido a um problema interno do país basco, especialmente o grupo separatista ETA". Ele contou que a Espanha também teme conflitos na ilha de Chipre, cuja parte norte é atualmente reconhecida somente pela Turquia. Nesta segunda-feira (18), o bloco deixou a decisão de reconhecer ou não a independência do novo país aos governos nacionais. De acordo com o diretor da BBC Brasil, diversos países, entre eles os Estados Unidos, já reconheceram a independência de Kosovo. Mas por conta do apoio da Rússia à Sérvia, o reconhecimento não deve passar pelo Conselho da Segurança da ONU. O país também não deve conquistar um assento nas Nações Unidas.

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